Algum
tempo depois, Jesus Cristo quis cumprir para os seus apóstolos a promessa que
lhes tinha feito quando disse: “Muitos de vós não deixareis esta vida mortal
sem terdes tido uma amostra da glória e da majestade do Filho do Homem no seu
reino”. Assim, seis dias depois, de acordo com Mateus, que não conta o dia
da promessa nem o dia do seu cumprimento, e oito dias depois, de acordo com
Lucas, que inclui ambos, o Salvador levou Pedro, Tiago e João consigo e
conduziu-os a um monte alto, o Tabor, a cerca de quatro quilômetros a leste de
Nazaré, para rezar com eles. O Salvador transfigurou-se na presença dos seus
apóstolos, para ensinar aos cristãos que a glória da futura ressurreição só
será vista na oitava idade do mundo, representada por este oitavo dia. Levou
consigo três dos seus discípulos, para mostrar que a verdade pode ser
comprovada pelo testemunho de três pessoas, e também que aqueles que professam
a fé no mistério da Santíssima Trindade gozarão eternamente da visão beatífica.
Levou consigo os três apóstolos de quem mais gostava, para nos provar que, para
gozar da glória de Deus, é preciso, como São Pedro, professar a fé em Jesus
Cristo; triunfar das paixões e dos vícios, como São Tiago; e, como São João,
ter a graça necessária para praticar boas obras. De fato, o mérito de cada
cristão consiste na fé, em evitar o mal e fazer o bem. Ele quis também mostrar
com isto que aceitava todos os estados e posições dos fiéis na Igreja de Deus;
São Pedro representa os casados e os prelados; São Tiago a vida ativa e os
penitentes; São João as virgens e a vida contemplativa. Para dar aos seus
discípulos uma amostra da sua glória futura, leva-os à parte para nos ensinar
que, se quisermos participar na glória da ressurreição, temos de nos separar da
sociedade dos ímpios, fugir dos embaraços do mundo e afastar-nos das alegrias e
prazeres mundanos. Ele leva-os a um monte alto e não a um vale, porque quem
quiser um dia contemplar Jesus Cristo em todo o esplendor da sua glória, não
deve rebaixar-se aos prazeres e gozos deste mundo perecível, mas elevar
incessantemente o seu olhar e todos os seus afetos para o céu. Ele subiu a este
monte para rezar, para nos ensinar que todo o cristão deve rezar sem cessar e
que, para rezar bem, deve andar de virtude em virtude. Este monte chama-se
Tabor, que significa luz, porque toda a ciência do homem lhe é comunicada por
efeito da luz divina. Enquanto rezava, transfigurou-se diante deles.
O
Evangelho não diz que ele se transfigurou, mas que foi transfigurado, marcando
assim a ação de toda a Trindade sobre a humanidade do Salvador. E enquanto
rezava, pois o fervor e a devoção na oração são propícios à transfiguração e ao
êxtase, o rosto do divino Jesus tornou-se luminoso como o sol, ou melhor, ainda
mais luminoso do que o sol, mas o evangelista não tem um ponto de comparação
mais luminoso, e as suas vestes tornaram-se mais brancas do que a neve. A
brancura das vestes de Jesus Cristo, segundo Santo Agostinho, provinha do
brilho do seu rosto, de modo que a mudança se deu no seu rosto e não nas suas
vestes. No entanto, não perdeu a verdadeira substância da sua carne, mas apenas
lhe acrescentou um novo e extraordinário brilho. O seu rosto, como diz São
Lucas, não se tornou diferente, mas apareceu de uma forma diferente. De modo
que não assumiu a qualidade da verdadeira luz celeste, mas apenas a semelhança.
Diz São Leão Magno:
“Os discípulos ainda
cobertos pelo invólucro dos seus corpos mortais, não podiam suportar esta visão
inefável e inacessível da divindade, cujo gozo está reservado para a vida
futura e eterna, para aqueles que são puros de coração”.
O
resplendor que brilha no rosto do Salvador representa a divindade do nosso
glorioso mestre, e a brancura das suas vestes a sua humanidade e também a
glória futura dos santos que, segundo a reflexão de São Beda, terão aceitado
com alegria os insultos e os desprezos deste mundo.
No
mistério da sua Transfiguração, o nosso divino Salvador deu-nos três grandes
exemplos que todo o cristão deve esforçar-se por imitar. Tomou consigo três dos
seus discípulos, subiu com eles a um alto monte e pôs-se a rezar, para nos
ensinar que ninguém pode alcançar a verdadeira glória se não tiver o cuidado de
se rodear de virtudes, de levar uma vida regular, que é sempre dura para a
nossa fraca natureza. Feliz aquele que, como Jesus, é constantemente
acompanhado por estas personagens santas. Feliz, de fato, o cristão que vive na
sociedade de São Pedro, isto é, como o seu nome o exprime, que possui o
tríplice conhecimento de Deus, de si mesmo e do próximo: o conhecimento de
Deus, que produz o amor e expulsa o medo e o desespero; o conhecimento de si
mesmo, que suscita a humildade e nos preserva da presunção; o conhecimento do
próximo, que gera a compaixão e desterra a dureza e a indiferença. Na sociedade
de São Tiago, que significa luta, isto é, quem está disposto a sustentar
corajosamente até ao fim a tríplice luta contra a concupiscência da carne, as
seduções e os engodos do mundo e as tentações do demônio; pois só será coroado
aquele que tiver lutado legitimamente. Assim, lemos nas Sagradas Escrituras que
o patriarca Jacó só foi abençoado por Deus depois de ter lutado corajosamente.
Finalmente, na sociedade de São João, cujo nome é interpretado como graça, ou
seja, que recebe de Deus o tríplice e insigne favor de começar bem, progredir e
atingir a meta. Foi isto que levou o grande Apóstolo a dizer: “Sou o que sou
por causa da graça de Deus”, esta é a primeira graça, “esta graça não
esteve em mim em vão e sem fruto”, esta é a segunda, “mas por causa dela
e com ela, trabalhei mais do que todos os outros”, esta é a terceira. Em
São João, o amor a Deus brilhava acima de tudo e, seguindo o seu exemplo, cada
cristão deve amar a Deus acima de tudo e não prender o seu coração às vaidades
efêmeras deste mundo. São Pedro, que também se chamava Simão, ou seja, dócil,
representa a obediência, São João a pureza e São Tiago a pobreza voluntária.
São estas as três virtudes que conduzem os cristãos ao Tabor e à visão de Deus;
mas, para chegar a este feliz monte, é preciso passar por três etapas difíceis:
a renúncia à própria vontade, a mortificação dos sentidos e o desprezo pelo
mundo. O rosto brilhante e luminoso do Salvador significa os clérigos que devem
brilhar de ciência, arder de caridade e iluminar os outros com as suas
instruções e bons exemplos. A brancura das suas vestes representa os leigos a
quem bastam a pureza do coração, a castidade do corpo e a retidão das obras.
Ao
mesmo tempo, Moisés e Elias, que estavam a falar com Jesus, apareceram perante
os olhos espantados dos três apóstolos. Se essas dois grandes personagens,
Moisés, morto há muito tempo, e Elias, ainda vivo e levado ao céu num carro de
fogo, apareceram no monte Tabor com o Salvador, de preferência a todos os
outros, foi por várias razões: para nos ensinar, em primeiro lugar, que Jesus
Cristo é o árbitro soberano da vida e da morte; que ele é ao mesmo tempo o Deus
dos mortos e dos vivos; que, no fim dos tempos, todos os justos, quer mortos,
representados por Moisés, quer vivos, representados por Elias, reinarão
igualmente com ele e partilharão todos da sua glória; que Jesus teve de morrer
para a salvação do mundo, mas que depois ressuscitará glorioso e impassível;
que nós próprios devemos morrer para as alegrias e prazeres da terra e viver só
para Deus. Era também para nos mostrar que Jesus era verdadeiramente o Messias
prometido e anunciado pela lei e pelos profetas, e que a sua doutrina não
difere em nada das que eles tinham pregado anteriormente, que o Salvador está acima
daquela lei primitiva que Moisés, por ordem de Deus, tinha dado ao povo judeu
no passado, e acima de todos os profetas, dos quais Elias era o maior. Moisés
representa a lei, Elias os profetas e Jesus Cristo o santo Evangelho; mas Jesus
fica no meio para provar que o Evangelho recebe o testemunho da lei e dos
profetas, cujo fim e único propósito era. Também nesta ocasião, o Salvador
recebeu de todos os lados um testemunho deslumbrante da sua divindade: do céu,
pela voz do Pai eterno que se ouvia; do ar, pela nuvem luminosa que os
envolvia; do paraíso terrestre, pela presença de Elias que dele saíra; da
terra, pela presença dos apóstolos; e até dos lugares subterrâneos ou do limbo
onde repousavam as almas dos justos, pelo de Moisés. Estes dois grandes patriarcas
falavam com Jesus sobre o que se ia realizar em Jerusalém, ou seja, sobre a sua
paixão, na qual ele devia mostrar o excesso do seu amor, da sua doçura e da sua
humildade; mostrando-nos assim que a graça da redenção do gênero humano, que
Jesus ia realizar, tinha sido predita e retratada pela lei e pelos profetas.
Notemos, porém, que, se Moisés e Elias falaram com o Salvador, não foi para o
instruir sobre algo que ele não sabia, mas para adorar os mistérios da sua
Encarnação e paixão; mistérios que eles tinham anunciado e que viram realizados
na sua pessoa. Regozijavam-se com o fato de a sua própria redenção e a salvação
do gênero humano estarem prestes a realizar-se, mas também se entristeciam ao
pensar que aquele que brilhava tão intensamente naquele momento seria em breve
traído, desprezado, julgado e morto numa cruz pelos judeus, invejosos e
ciumentos da sua glória. Todos estes diferentes personagens estavam felizes,
não só por testemunharem a transfiguração de Jesus, mas também, como observou Santo
Efrém, por se verem reunidos no mesmo lugar. O casto Elias admirava a pureza
angélica de São João, e ambos louvavam em São Tiago o glorioso privilégio do
martírio.
Mas
Pedro e seus dois companheiros, cujos olhos tinham sido deslumbrados pelo
brilho da Divindade, despertaram de seu sono e olharam para cima para ver toda
a majestade de seu Mestre, e reconheceram Moisés e Elias conversando com ele.
Diz Santo Ambrósio:
“Como podiam os apóstolos
conhecer Moisés e Elias, que nunca tinham visto? [...] Conheceram-nos pela
majestade com que estavam vestidos, o que nos mostra que, na eternidade
gloriosa, todos nos conheceremos uns aos outros, embora nunca nos tenhamos
visto neste mundo”.
Então
Pedro, sempre mais zeloso do que os outros, disse a Jesus: “Senhor, estamos
bem e verdadeiramente aqui neste monte, na doçura desta feliz contemplação”.
Diz Rábano Mauro:
“Quanto mais provamos os
doces da vida celeste, mais desprezamos as alegrias e as satisfações deste
mundo”.
“Façamos
aqui três tendas: uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias”;
ele não fala de uma tenda para si mesmo ou para seus companheiros; sem dúvida,
pensou que, como seus discípulos, eles ficariam na tenda de seu Mestre. Ao ver
a majestade deslumbrante do seu divino Mestre, segundo o pensamento de São Remígio
e São Beda, e dos seus dois grandes servos, Pedro experimentou tanta alegria e
felicidade que esqueceu imediatamente todas as coisas deste mundo e não teve
outro desejo senão o de permanecer neste estado para sempre. Ora, se a
humanidade transfigurada do Salvador e uma amostra fugaz da glória celeste
produziram tal doçura e satisfação no coração destes três apóstolos, qual não
será a felicidade dos eleitos ao contemplarem o Rei dos reis em todo o
esplendor da sua glória, e ao gozarem por toda a eternidade da companhia dos
anjos e dos santos?
Mas
Pedro estava enganado e não sabia o que dizia quando falava assim; procurava a
sua verdadeira pátria no exílio, preferia a sombra da glória à realidade;
esquecia-se de que o reino de Deus não estava prometido aos eleitos neste
mundo, mas no céu, onde já não haverá necessidade de tendas feitas pelas mãos
dos homens. Não pensou que ele e os seus companheiros estavam ainda envoltos
nos seus restos mortais, e quis gozar a imortalidade antes de ter passado pela
amargura da morte, numa palavra, pôs de lado a sua própria salvação e a dos
outros. Diz Santo Agostinho:
“Ó São Pedro, que
linguagem usas! O mundo inteiro está prestes a perecer, e tu procuras a tua
própria segurança! As nações estão em tumulto, e tu corres atrás de descanso! O
mundo está mergulhado nas trevas, e vós quereis esconder-lhe a luz! Não, não é
bom para vós que Cristo permaneça no monte Tabor; se ele aí fizer a sua morada,
as promessas que vos fez não se cumprirão; nunca recebereis as chaves do reino
dos céus, e o império da morte não será destruído”.
Diz
São Crisóstomo:
“Ao ouvir que o Salvador
devia descer a Jerusalém para sofrer cruéis tormentos, São Pedro, que, por
causa da afeição que tinha ao seu bom Mestre, já tinha tentado dissuadi-lo, mas
tinha sido rudemente repreendido, quis dissuadi-lo de novo e sob outro
pretexto; por isso lhe disse: ‘Estamos bem aqui, façamos, se quiseres, três
tendas’. Pensou que, se Jesus acedesse ao seu pedido, não iria a Jerusalém e
que, assim, escaparia às mãos dos judeus que o esperavam para o prender e
matar. Pedro, sem dúvidas, raciocinou cegamente, mas suas palavras eram ditadas
pela excessiva ternura que sentia pelo Salvador, e esquecia-se de que a
verdadeira bem-aventurança não consiste apenas na contemplação da gloriosíssima
humanidade de Jesus Cristo, e que esta, por si só, não basta para a felicidade
dos eleitos”.
A transfiguração do nosso divino Salvador no monte Tabor,
que é a imagem da glória dos santos na pátria celeste, mostra-nos, antes de
mais, a majestade divina. De fato, neste monte, a Trindade aparece na sua
totalidade: Deus Pai, pela voz que se ouve do céu; Deus Filho, na sua
humanidade, e o Espírito Santo, na nuvem luminosa que o envolve por todos os
lados. Aqui vemos que a felicidade dos santos consiste sobretudo em contemplar
a Santíssima Trindade. As três tendas que São Pedro, no transporte da sua alegria,
quis erguer no monte Tabor, representam para nós as três faculdades da alma
cristã, nas quais toda a Trindade deve comprazer-se, segundo as palavras do
evangelista São João: “Entraremos nela e faremos dela a nossa morada”.
Ora, estas três faculdades da alma são a memória, a inteligência e a vontade. O
Filho habita na inteligência, iluminando-a com o conhecimento divino; o
Espírito Santo habita na vontade, aquecendo-a e animando-a com os fogos
sagrados do amor; o Pai habita na memória, enchendo-a superabundantemente com o
objeto conhecido e amado. Então a alma cristã é inteiramente transformada em
Deus e, por assim dizer, totalmente deificada. Em segundo lugar, a
transfiguração, ao reunir as pessoas que a testemunharam, representa para nós a
sociedade de todos os santos na pátria celeste. De fato, no Céu, gozaremos da
companhia de todos os santos, tanto do Antigo como do Novo Testamento. Os
santos do Antigo Testamento estão divididos em duas ordens: os patriarcas,
representados por Moisés, e os profetas, representados por Elias. Os santos do
Novo Testamento formam três classes: os mártires, representados por São Tiago;
os confessores, por São Pedro; e as virgens, por São João. Em terceiro lugar, a
transfiguração revela a glória do seu objeto. O rosto do Salvador tornou-se
luminoso como o sol e as suas vestes brancas como a neve. Daí devemos concluir
também que, na pátria celeste, os corpos dos bem-aventurados serão
resplandecentes de luz e brilho.
São Pedro, quando se dirigiu ao Salvador e lhe pediu que construísse
três tendas, não obteve resposta, porque as suas palavras, embora ditadas pelo
afeto que sentia pelo seu Mestre, estavam deslocadas e ainda não tinha chegado
o momento de gozar o repouso e a glória. Quem quiser montar uma tenda para
Jesus habitar, que prepare o seu coração com pureza e amor, e o Senhor descerá
nela, mas como Pedro pensava apenas em tendas materiais, não foi ouvido. Mal
acabou de falar, uma nuvem luminosa envolveu-os, para mostrar que, na pátria
celeste, os santos não precisarão de ser protegidos por abrigos materiais
contra as inclemências das estações, mas serão envolvidos pela glória do
Espírito Santo e escondidos na face do Altíssimo. Esta nuvem, de que fala o
Evangelho, não era formada pelos vapores que emanavam da terra, mas sim pela
abundância de luz que envolvia Jesus. No entanto, para convencer os apóstolos
de que Jesus era o Filho único de Deus e para reforçar cada vez mais o
testemunho que Moisés e Elias tinham acabado de lhe dar, ouviu-se do meio da
nuvem a voz do Pai eterno, estrondosa como o som de um trovão, que dizia: “Este
é o meu Filho muito amado, em quem me comprazo e me sinto bem, e por meio de
quem resolvi salvar a humanidade”. Diz Santo Ambrósio:
“Nesta altura Moisés e
Elias já tinham desaparecido, para que os apóstolos não tivessem dúvidas, não
sabendo a qual dos três se podia referir esta palavra celeste, mas Jesus ficou
sozinho”.
Diz
São Crisóstomo:
“Este é o meu Filho muito
amado, em quem confio, que executa as minhas ordens e não tem outra vontade
senão a minha. Se, então, quer ser crucificado, por que vos opor aos seus
planos? Escutai-o de preferência a Moisés e Elias, porque Cristo é o objetivo e
o fim da Lei e dos profetas; escutai-o, porque ele deve ser doravante o vosso
único e soberano Mestre, que vos ensinará as coisas necessárias à salvação.
Escutai-o, ele é a própria verdade; procurai-o, ele é a vida; segui-o, ele é o
único caminho para o céu”.
Diz
São Remígio:
“As sombras da Lei estão
dissipadas, as predições dos profetas estão aniquiladas; só a luz do Evangelho
deve, doravante, iluminar o mundo”.
Bem-aventurados
estes três apóstolos privilegiados, que mereceram contemplar a glória do divino
Salvador no monte Tabor e ouvir a voz do Pai eterno. Também nós podemos
participar na sua felicidade, se, como eles, acreditarmos em Jesus Cristo; se
vivermos santamente como eles e, sobretudo, se amarmos com todas as nossas
forças aquele que eles amaram tão ardentemente.
Mas,
como a fraqueza humana não podia, sem ser oprimida, suportar a presença da
majestade divina, ao som dessa voz celeste, os discípulos caíram com o rosto em
terra. Diz São Remígio:
“Os apóstolos dão-nos a
prova da sua perfeição e santidade, pois prostram com o rosto em terra,
enquanto os ímpios caem para trás. Os justos prostram ora por medo, como os
apóstolos no monte Tabor; ora por humildade, como os sábios junto à manjedoura
do Salvador; ora por gratidão, como os anciãos do Apocalipse, que se prostram
aos pés do trono do Senhor”.
À
vista da nuvem luminosa, à voz retumbante do Altíssimo, os apóstolos foram
tomados de medo, porque reconheceram então o erro a que se tinham deixado
conduzir. Diz Santo Efrém:
“Esta voz celestial soou
tão forte que os profetas fugiram, os apóstolos caíram e toda a terra foi
abalada nos seus alicerces”.
Então
Jesus, movido de compaixão, aproximou-se deles, porque já não se podiam
levantar, tocou-os com bondade para fortalecer os seus membros enfraquecidos e
disse-lhes suavemente: “Levantai-vos e não tenhais medo”. Eles
levantaram-se e o medo desapareceu. Felizes aqueles a quem Jesus toca desta
forma. Peçamos a este bom Mestre que nos toque desta maneira; que Ele dissipe o
torpor espiritual em que estamos mergulhados; Ele é a ajuda e a força dos
fracos, a consolação dos aflitos; Ele é um amigo cheio de doçura e de ternura; Ele
estende de bom grado a sua mão àqueles que o invocam para os ajudar a
levantar-se das suas quedas.
Quando
os discípulos se levantaram, viram Jesus sozinho, pois Moisés e Elias tinham
desaparecido, e viram-no tal como era antes da sua transfiguração e como se
mostrava quando falava com eles. Quando Jesus desceu do monte, proibiu os seus
apóstolos de dizerem a quem quer que fosse tudo o que tinham visto sobre a
glória da sua transfiguração, antes de ter ressuscitado dos mortos. São várias
as razões da defesa do Salvador. Em primeiro lugar, segundo São Jerónimo,
porque este fato teria parecido incrível, pela sua grandeza e estranheza. Em
segundo lugar, segundo Santo Tomás, para que aqueles que ouviram falar da sua
glória no Monte Tabor não se escandalizassem ao ver o mesmo Salvador morrer
ignominiosamente numa cruz alguns dias depois. Em terceiro lugar, segundo São
Remígio, com receio de que a publicação desta glória do Monte Tabor impedisse
os frutos da Paixão, pois se o milagre da Transfiguração de Jesus tivesse sido
publicado entre o povo, muitos teriam contrariado os planos deicidas dos
príncipes dos sacerdotes, tê-los-iam impedido de o fazer sofrer os tormentos e
a morte a que o condenavam, e a redenção do gênero humano teria sido retardada.
Em quarto lugar, segundo Santo Hilário, porque os apóstolos não deviam pregar a
divindade de Jesus Cristo enquanto não tivessem recebido o Espírito Santo e,
por meio dele, a força necessária para atestar tão grande milagre. Em quinto
lugar, segundo São João Damasceno, porque os outros discípulos, a quem eles
teriam contado essas maravilhas, teriam ficado aborrecidos por não terem sido
julgados dignos do mesmo favor, e Judas teria sido ainda mais incitado por isso
a trair seu divino Mestre e entregá-lo aos judeus. Em sexto lugar, porque a
futura ressurreição de Jesus Cristo era ainda incerta para muitos que dela
duvidavam; era, pois, necessário ocultar a glória da sua transfiguração até que
ele tivesse ressuscitado dos mortos, porque então seria mais fácil fazer crer o
povo, apoiando-se mutuamente os dois fatos da transfiguração e da ressurreição.
Em sétimo lugar, era para nos ensinar a esconder cuidadosamente tudo o que
pudesse contribuir para a nossa própria glória e atrair o elogio dos outros,
segundo as palavras do sábio do Eclesiástico: “Nunca elogies um homem
enquanto ele ainda está neste mundo”. Daqui devemos também concluir que nem
sempre é bom publicar os segredos e os mistérios de Deus, mas que devemos
escolher os momentos e os lugares certos. Os santos devem também aprender com
isto a não publicar facilmente as revelações com que Deus os favoreceu, a
exemplo de São Paulo, que só descobriu o seu arrebatamento no terceiro céu após
catorze anos.
A
transfiguração do Salvador no Monte Tabor teve lugar no início da primavera; é
por isso que o Evangelho que a menciona é lido em todas as igrejas no sábado
das quatro têmporas, na primeira semana da Quaresma. A festa deste grande
mistério celebra-se no dia 6 das calendas de agosto, porque só por esta altura
é que os apóstolos divulgaram a glória do Tabor; até então tinham mantido este
mistério em segredo, para cumprir a proibição expressa que o seu divino Mestre
lhes tinha dado.